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(In)Visibilidade

Vivemos em sociedade e nesse contexto funcionamos por expectativas. Se vamos à padaria, não esperamos menos do que nos perguntem quantos pães desejamos; ou, no escurinho do cinema, aguardamos que da tela surja o filme que escolhemos. Por Rui Machado

Estes são apenas alguns exemplos que também nos mostram outra característica muito humana: gostamos de prever tudo. Quando não conseguimos ou não é possível, somos invadidos por uma tempestade chamada ansiedade. Assim, o acontecimento ou experiência torna-se desagradável, angustiante e indesejável; a evitar no futuro. Esta compreensão aproxima-se do conceito “segurança ontológica” de Giddens, quando falava de desorientação cognitiva e emocional perante questões que a alteração da rotina poderia colocar.


Um dos exemplos máximos de imprevisibilidade, mas também da sensação de falta de controlo e da percepção da própria vulnerabilidade é a diversidade funcional. A razão maior de assim ser, prende-se com a invisibilidade a que foi e ainda vai sendo votada. Em rigor, a geração actual de governantes, empregadores e gente que passeia os cães pelas ruas, não tiveram a oportunidade de crescerem e serem educados e socializados em contextos aglutinadores e promotores da diversidade humana. Antes pelo contrário. Um exemplo claro foi o ensino que esteve completamente vedado a crianças com diversidade funcional e que levou ao surgimento de um número significativo de instituições que objetivamente acabaram por segregar a população para qual se vocacionaram. Em boa verdade, só com uma varinha mágica conseguiriam a inclusão e a igualdade de oportunidades, já que o meio social onde se inseriam era altamente hostil e estigmatizador.


Compreende-se, assim, que algo verdadeiramente essencial para travar a discriminação e estigmatização das pessoas com diversidade funcional é a criação de mecanismos de visibilidade. O que se constata existir mesmo ao lado, deixará de ser estranho ou esquisito; não constituirá mais ameaça por já não ser algo compreendido como uma nublosa incógnita; e não causará desequilíbrio na rotina por passar a fazer parte dela. A visibilidade de uma realidade dita minoritária, permitirá combater os processos de normalização societais e criar uma ruptura nas identidades compulsórias promovidas pelas práticas discursivas resultantes de diversos mecanismos de poder, como referia Foucault. Nesta dinâmica, o deficiente deixa de ser considerado doente e incapaz, para passar a ser uma pessoa com diversidade funcional capaz de exercer plenamente todos os seus direitos e deveres.


Se a criação destes importantes mecanismos de visibilidade se fizer no terreno da promoção de toda a diversidade humana – e não especificamente da diversidade funcional – tanto melhor. E se o protagonista, seja ele individual ou colectivo, for alguém fora desses grupos marginalizados, propaga-se automaticamente a poderosa mensagem de que este tema não diz respeito a um conjunto específico de pessoas, mas sim a toda a sociedade já que nos mostra a forma como se organiza em torno de si mesma. Será interessante resgatar exemplos de trabalhos relevantes.


Diane Arbus, resgatando a dimensão política e transformadora da arte, ficaria conhecida como a “fotógrafa dos anormais”, com a realização de um trabalho notável na produção documental da diversidade humana. Deformados, travestis, prostitutas, vagabundos, todos lhe interessavam. Onde antes se via horror, a lente de Arbus encontrou e captou beleza e verdade, assumindo para si essa responsabilidade pessoal e profissional quando dizia, no século passado: “Eu realmente acredito que há coisas que ninguém veria a menos que eu as fotografasse.” De uma família próspera nasceu esta vocação para a provocação, tão útil quando se pretende promover a reflexão sobre algo importante. Quer-se mais ainda, nos dias de hoje. Muito mais. Algo que desbrave todos preconceitos que teimam eu existir.

Rui Machado

Diretor-técnico do Centro de Apoio à Vida Independente na APPACDM do Porto

Psicólogo e escritor

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