Luís Isidorinho: “É importante continuar a apostar no desenvolvimento de políticas comuns nos vários países europeus”
- Escrito por Paula Fernandes Teixeira
- Publicado em Portugal
É engenheiro informático, dirigente federativo, assumidamente teimoso e como missão de vida abraçou o associativismo para “ajudar os outros”. Chama-se Luís Isidorinho e é o quinto entrevistado pela Plural&Singular para o artigo de capa que assinala os 10 anos desta revista digital. O atual vice-presidente da Federação das Associações Portuguesas de Paralisia Cerebral nasceu como muitas outras crianças, mas com um “pormenor” que, ao longo da vida, foi lutando para não se tornar um “por maior”: uma anoxia perinatal fez com que a paralisia cerebral passasse a ser a sua “companheira de vida”.
01 – Quem é o Luís Isidorinho: como se vê, como as pessoas o veem?
Luís Isidorinho (LI) – Na manhã de 27 de maio de 1986 iniciou-se a aventura que traria ao mundo, antes do tempo que era “suposto”, o Luís Isidorinho. O meu nascimento acabou por acontecer em Lisboa, na Maternidade Alfredo da Costa, depois de uma breve passagem pelo Hospital Distrital de Santarém – que encaminhou mãe e filho para Lisboa, com a “urgência possível” de há 36 anos. Já na incubadora é que surgiu algo de inesperado: uma anoxia perinatal e mais umas coisas cujo nome não recordo agora... E que levaram ao surgimento da Paralisia Cerebral que ainda hoje me acompanha.
As minhas raízes dividem-se entre o Ribatejo e o Alentejo, mas a família ao fim do meu primeiro ano deslocou-se do meio rural para o concelho do Seixal, na margem Sul do Tejo. O meu pai era militar e as deslocações diárias para o Alfeite eram incomportáveis. Apenas ia a casa ao fim de semana; e, por outro lado, existiam as consultas, os exames e as terapias (na Liga Portuguesa dos Deficientes Motores), logística que levou a que a minha mãe se desempregasse para me acompanhar nesse processo. Viemos os três para o Seixal e, por cá, com o nascimento da minha irmã a família passou a ter quatro elementos em 1991.
A área da deficiência mantém-se na minha vida também no contexto institucional. Para além de voluntário na Associação de Paralisia Cerebral de Almada Seixal (APCAS), acumulo o cargo de vogal da Direção desta instituição. E, ainda, o cargo de vice-presidente da Federação das Associações Portuguesas de Paralisia Cerebral (FAPPC).
A nível profissional estou a trabalhar na minha área de formação – a Engenharia Informática – como Engenheiro de Software numa empresa de Consultoria Informática. No entanto comecei a minha atividade profissional na APCAS, ainda enquanto estudante universitário.
É-me sempre difícil descrever-me... E também não é mais fácil dizer como outros me descreveriam… Mas ficaria feliz se me vissem como um “tipo porreiro”, bem disposto, honesto e dedicado. Como um bom amigo. Aliás, a família e os amigos são elementos estruturais na minha vida e não me vejo a ter uma vida feliz sem os ter por perto. Mas todos sabemos que o mundo é feito de opostos, e se há as virtudes também há os defeitos. Destes talvez destaque a teimosia, que tenho tentado rentabilizar da forma mais adequada; e alguma falta de autoconfiança que, felizmente, é algo que tenho conseguido melhorar ao longo da vida.
02 – Como foram os últimos 10 anos na sua vida?
LI – A última década foi de grandes mudanças na minha vida. Talvez consiga resumi-las em três palavras: descoberta, autonomia e independência.
03 – Quais foram os momentos mais marcantes?
LI – Um dos momentos marcantes foi o da passagem do mundo estudantil para a vida ativa. Numa primeira fase, comecei por colaborar com a APCAS, ainda enquanto estudante, em projetos na área do Desporto e Tecnologias. Foi uma excelente fase pois cresci pessoal e profissionalmente, tornei-me mais exposto ao mundo e às pessoas. E reduzi alguma da timidez que sempre me caracterizou, ganhando mais confiança. Paralelamente, esse percurso permitiu também o crescimento da instituição que, na altura era ainda “jovem”. Ainda hoje o crescimento da APCAS se mantém como um projeto de vida, meu e de muitos daqueles que gravitam em seu redor. Uns anos mais tarde surgiu a oportunidade de abraçar um novo projeto profissional, na minha área de formação, desafio que decidi aceitar e que me levou ao contacto com um meio completamente diferente: o empresarial. E, com isso, mais crescimento pessoal e profissional.
O segundo momento marcante, cuja ideia já vinha amadurecendo dos meus tempos de estudante, foi a possibilidade de alcançar o meu espaço: a aquisição da minha casa e, com ela, de todas as tarefas de logística e gestão que lhe são inerentes.
Graças a estes dois grandes passos foi possível tornar-me um cidadão mais completo, autónomo, ativo e participante na sociedade, algo que deve estar ao alcance de todos os cidadãos de um país moderno e justo.
04 – Como avalia os últimos 10 anos na vida das pessoas com deficiência?
LI – Se no passado era comum que as pessoas com deficiência vissem os seus horizontes confinados aos limites da institucionalização, cada vez mais se tem conseguido que as pessoas com deficiência estejam “na rua”, a socializar mais nas suas comunidades, mais perto dos demais cidadãos, a estudar, a participar, a trabalhar.
05 – Em que áreas foi mais positiva a evolução?
LI – A integração de alunos com deficiência no ensino regular foi um passo enorme. Começando desde cedo o processo de inclusão, leva a que as crianças sem deficiência nem necessidades educativas especiais se familiarizem com outras realidades. E que isso torne, no futuro, o processo de inclusão mais natural.
Também o ensino superior e na formação profissional são de relevar as melhorias alcançadas nas últimas décadas, e é excelente testemunhar cada vez mais casos de sucesso e autonomia.
Outra das áreas que vejo como mais positiva é a da aplicação do Modelo de Apoio à Vida Independente, pois tem potenciado a autonomia relativamente às famílias e às instituições, bem como a autodeterminação.
06 – O que ficou por fazer?
LI – Muito se fez, mas muito há por fazer... Ainda é necessário continuar a sensibilizar para as particularidades que existem no dia-a-dia da vida das pessoas com deficiência. Ainda existem melhorias a fazer ao nível dos serviços públicos e privados (acessibilidades físicas, digitais e de comunicação, para citar algumas). Há que continuar a fomentar o acesso ao ensino superior, à formação profissional e ao mundo trabalho. Quero acreditar que o sistema de quotas para as pessoas com deficiência será apenas um “mal necessário” até que se consolide a ideia de que o enquadramento num posto de trabalho está dependente das capacidades do candidato. E não de outros critérios...
Referia ainda o facto de continuarem a existir assimetrias territoriais no nosso país, seja na vertente Interior vs. Litoral, bem como entre Portugal Continental e as Regiões Autónomas – algo que é incompreensível quando se pretende igualdade de oportunidades para todos os cidadãos...
07 – A comparação inevitável: como Portugal se posiciona em relação aos restantes países europeus?
LI – É muito portuguesa a ideia de achar – desculpem a expressão... – que “a galinha da vizinha é melhor que a minha”. Mas creio que fazemos um bom trabalho, especialmente com os meios que temos. Temos excelentes profissionais, criativos, que pensam “fora da caixa”. Aplicamos abordagens inovadoras – que temos tido oportunidade de partilhar, mas também de melhorar. E nisso há que dar relevância ao que os projetos europeus (como por exemplo o Erasmus+) têm permitido. O intercâmbio de boas práticas e capacitação tem trazido ganhos significativos. Claro está que tudo isto moderniza as sociedades, mas também permite uma homogeneização daquilo que se faz bem, transversalmente nos vários países.
08 – Como acha que vão ser os próximos 10 anos para as pessoas com deficiência?
LI – É importante continuar a apostar no desenvolvimento de políticas comuns nos vários países europeus, no envolvimento das instituições ligadas à deficiência, das famílias, e das próprias pessoas com deficiência – como construtoras das soluções e não como parte do problema!
No meio associativo gostaria de ver mais pessoas com deficiência (e mais jovens) envolvidas nos órgãos sociais das instituições, na construção das soluções para a melhoria das suas vidas e da dos seus pares. Temos margem para melhorar, mas penso que vamos no bom caminho. E que daqui a 10 anos os desafios de hoje serão já a normalidade. Se bem que novos desafios existirão entretanto...
09 – Como deseja que sejam os próximos 10 anos na sua vida?
LI – Gostaria de, daqui a 10 anos, olhar para trás e ver que o caminho trilhado foi o correto. De ser um melhor cidadão do meu país e do Mundo. De conhecer mais Mundo e mais pessoas. De olhar à minha volta e ver menos dificuldades (ou pelo menos não as mesmas).
Mais união entre as pessoas, mais solidariedade e simpatia, mais empatia e justiça.
Quem sabe, constituir família...
10 – Que mensagem deixa à Plural&Singular pelos 10 anos de existência?
LI – Tenho que dar relevância à vossa perseverança em divulgar e trazer para a ordem do dia as temáticas que estão relacionadas com a deficiência, não apenas para informar todos os que “se movem” na área da deficiência, mas também para informar/sensibilizar os cidadãos em geral para temas importantes. Assim, incentivo à continuidade do vosso trabalho e sucesso para que, todos juntos, consigamos tornar o dia de amanhã (e por mais décadas) ainda melhor.
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