Entrevista ao presidente da PCAND, Joaquim Viegas: Portugal não escapa ao terceiro lugar na fase de grupos
- Escrito por Sofia Pires
- Publicado em Desporto
“’Se houve evolução positiva?’ Claro que sim, ‘Bastante?’ Claro que sim, ‘O suficiente?’ Aí não será uma resposta tão taxativa porque as equipas estão a um nível muito alto: os que estão lá em cima não querem sair e os que estão quase querem lá chegar. Portanto nós vamos ter que continuar a trabalhar e muito.”
Presidente da PCAND - Paralisia Cerebral Associação Nacional de Desporto, Joaquim Viegas
Plural&Singular (P&S) - A aposta nesta modalidade, em termos gerais, tem cerca de 30 anos. O Futebol de 7 para pessoas com Paralisia Cerebral tem se portado bem como jovem adulto? Como tem sido a evolução?
Joaquim Viegas (JV) - Já tivemos alturas em que o número de praticantes e consequentemente a dimensão das competições era superior àquilo que é hoje. Porque tendo começado em 1984, houve um desenvolvimento até ao final da década de 90, 96 para ser mais exato, e chegamos a ter sete ou oito equipas praticantes com um número de jogadores superior a 100 jogadores. No entanto houve vários fatores que concorreram para um decréscimo de interesse, por um lado, e para um decréscimo do número de praticantes por outro lado (ver caixa).
P&S - Como têm sido os resultados da seleção portuguesa, nesta modalidade, em competições internacionais?
JV - Foram razoáveis, tivemos uma medalha de prata nos jogos paralímpicos em 92, tivemos um período desde 90 a 94, foi um bom período, estávamos ali no top3, top4 no futebol mundial, mas entretanto surgiram novas equipas, nomeadamente aquelas que hoje dominam o panorama internacional, é o caso da Rússia, caso da Ucrânia, do Irão, do Brasil e quando fomos aos Jogos Paralímpicos em 96 ficamos em penúltimo ainda tentámos em 98 e 2000 e ficamos em quarto lugar. Mas aí parece que foi o grito do Ipiranga porque logo a seguir em 2002 no mundial na Argentina tivemos uma prestação muito má no ano em que tivemos mais e melhor preparação e a prestação foi simplesmente catastrófica. Em 2004 já não fomos a Atenas. Enfim vários fatores fizeram com que a nossa equipa não rendesse aquilo que deveria ter rendido somado a uma série de equipas que evoluíram positivamente. Depois de 2002 uma série de jogadores desistiram e nós sentimos uma grande dificuldade em manter a seleção nacional e parámos. Até que há dois anos, vindo exatamente da APPC do Porto houve um trabalho que já tinha tido o seu início que já tinha sido feito com as famílias, com crianças que começaram a ter bons resultados e interesse na prática do futebol. A própria equipa que era sempre fraquinha, já tinha ido buscar jogadores com 40 anos ou mais de 40 anos que tinham jogado no início passaram a ter gente muito mais jovem. Eles dominam o panorama nacional, portanto esse trabalho tem dado frutos. Ao mesmo tempo ao nível da direção nós discutimos este trabalho na participação internacional e concordámos em retomar este projeto da seleção nacional no sentido de tentar qualificação para os Jogos Paralímpicos de 2016, mas tendo noção que é muito difícil, mas para 2020 já é mais provável.
Entretanto para isso já fomos a dois ou três torneios internacionais. Fomos ao Campeonato à Taça InterContinental o ano passado e então surge o Campeonato da Europa de forma dar vida a este projeto por um lado para divulgar a modalidade em Portugal porque pode chegar a mais gente, a famílias, a potenciais praticantes que vejam aqui uma oportunidade para a prática desportiva. Com base nisto nós candidatamo-nos e fomos contemplados com esta organização e também nos faz poupar algum dinheiro em termos de deslocação e participação da nossa seleção caso este campeonato fosse noutro país.
P&S - O interregno de alguns anos do projeto da seleção nacional não abona a favor deste campeonato, falta alguma rodagem aos jogadores lusos? Quais são as expetativas para a prestação portuguesa neste campeonato?
JV – Pois, essa é uma velha questão que está muito ligada ao nosso país. Nós evoluímos um degrau mas a maioria dos outros países evoluem dois. O que quer dizer que se hoje estamos à mesma distância, se eles evoluírem dois estamos a uma distância ainda maior. Porque quando se está num grau mais elevado, parecendo que é mais difícil evoluir mais, qualquer pequeno passo é um salto relativamente grande com quem está cá em baixo. Supunhámos, eu recebo 500€ por mês e há outra pessoa que recebe cinco mil euros. 10% para mim são 50€, 10% para ele são 500€. Se for 1% de cinco mil euros são 50€, os 10% dos meus 500€. E tirando o dinheiro se pusermos evolução, o muito que nós possamos evoluir, se os outros evoluírem um pouquinho só corresponde em valor absoluto ao mesmo que eu desenvolvi. Por isso se desenvolverem 2% já desenvolvem o dobro de nós. E isto é uma realidade internacional também e é por isso que não há 50, nem 40 países a praticar este futebol de 7, há menos. E dos que há, haverá 20, talvez, desses 20, 10, 12 deles levam isto mesmo a sério e desses 8 tão a sério como outra modalidade qualquer e não estou a falar para pessoas com deficiência – estou a falar da Rússia, da Ucrânia, do Brasil, do Irão, da Holanda, da Inglaterra, da Irlanda – estes países têm programas muito específicos de desenvolvimento em que investem muito dinheiro. Portanto, só vão 8 aos Jogos Paralímpicos, o que quer dizer que é sempre extremamente difícil para lá chegar.
P&S – O delegado técnico do campeonato, Tom Langen, considerou que para este campeonato se Portugal conseguisse um lugar no top6, seria um excelente resultado. É da mesma opinião?
JV – Sem dúvida que sim porque, das 11 equipas que aqui estão, a nível do ranking internacional e a nível do que têm sido as prestações, só duas estão abaixo de nós, que é a Finlândia e a Alemanha que está a começar. A Alemanha é uma incógnita, pode aparecer já como uma excelente equipa, mas não sabemos não está no ranking. Considerando que a Alemanha é uma novata a nível de campeonatos internacionais, nós estamos na posição 9. Nós não tivemos muita sorte com o sorteio porque ficamos logo com uma Ucrânia que é, conjuntamente com a Rússia, uma das finalistas dos Campeonato do Mundo e Jogos Paralímpicos e com uma Inglaterra que é talvez aquela que vai evoluir mais positivamente. Ainda recentemente tivemos um jogo com eles que perdemos 3-0.
P&S – Mas apesar de realista, está otimista? Por exemplo, o facto de Portugal jogar em casa, faz com que seja um fator de motivação extra a considerar?
JV – Eu acredito que sim, mas temos que ter muita entrega ao jogo e sobretudo muita cabeça. E é aí que por vezes nós claudicamos. Nós na primeira parte conseguimos jogar mais ou menos aquilo que sabemos e depois por cansaço ou por maior pressão do adversário não aguentamos e vamos por aí abaixo. De qualquer forma, estando em casa em acredito fazer com que haja alguma surpresa. Porque o nosso lugar neste caso seria o nono. Porque até há apuramento para os quartos-de-final, são os oito primeiros, nós ficando num grupo de três dificilmente escaparemos ao terceiro lugar, na fase de grupos. E isso limita logo muito, não nos deixa de fora, porque são só dois grupos, dois de quatro e um de três, mas até aí não tivemos sorte, das equipas fracas, nenhuma delas está no nosso grupo.
Sendo apurados os dois primeiros, dois quatro seis e depois são os dois melhores terceiros e é aí que poderemos ter alguma hipótese. Vamos ver.
P&S – Como está a correr a organização deste campeonato? A CED Maia delegou todos os preparativos à PCAND certo?
JV – Sim nós somos responsáveis pela organização, fomos nós que nos candidatamos. A própria câmara entendeu que não tinham recursos materiais, mas principalmente humanos, para se empenharem em cada um dos eventos e dão mais um apoio do tipo logístico, mas esmagadoramente somos nós que estamos a organizar e com o peso e a responsabilidade de toda a organização.
P&S – E em termos de envergadura, o que é preciso para organizar um evento como este?
JV – Somos quatro aqui e tivemos o torneio Open na Póvoa de Varzim e toda a nossa calendarização nacional e não tivemos quatro pessoas canalizadas para isto. Para além disso temos um conjunto de voluntários mas que têm responsabilidades e tarefas locais e pontuais, depois precisámos de montar toda a logística, nomeadamente, quatro campos, dois para competição, dois para treinos, hotéis, transportes, alimentação, contactos com a federação internacional, arbitragem, outro material, marcadores eletrónicos, tivemos que mandar fazer balizas que são específicas, bolas muitas, marcações dos campos também são específicas, que os campos tenham as condições necessárias e dignas para um evento desta natureza possa ter sucesso. Divulgação. Material de divulgação, construção do website, muito fornecedores, por exemplo, listagens para hotéis, para alimentação. São coisas que dão muito trabalho, os classificadores internacionais também.
P&S – E sentem que vão estar à altura das organizações noutros países? Estão confiantes?
JV – Sim, claro que sim. É evidente que as organizações não são todas iguais, os níveis são diferentes. Cada uma tem as suas caraterísticas, mas estamos a fazer tudo o que é necessário.
P&S – Que última mensagem quer deixar sobre a competição?
JV - As pessoas, na medida do possível, que vão ver. As que são de lá, ou de lá perto. Que consultem o nosso website, está lá o calendário de todos os jogos, vão são transmitidos, não todos, mas uma quantidade bastante grande de jogos online, alguns deles em HD, por live streaming. E quem souber de potenciais praticantes que tenham na sua região uma associação de paralisia cerebral ou um clube desportivo ou de outra associação qualquer que tenha prática desportiva que sejam atletas. Não precisámos de ser logo atletas paralímpicos porque até é impossível, mas a prática desportiva de um modo geral é saudável, é disciplinadora e mais do que isso, do ponto de vista da reabilitação e do ponto de vista da reabilitação social ela tem resultados altamente positivos. Os próprios e as famílias certamente irão ficar muito mais felizes e agradados quando o próprio pratica desporto, neste caso, futebol relativamente a uma vida mais sedentária ou apenas a uma brincadeira de bolinha de vez em quando – não é mau, mas não tem consequências nem positivas nem negativas, tirando aquela satisfação momentânea.
Eis os vários fatores que Viegas enumerou para a ‘quebra’ da prestação portuguesa em competições internacionais até à paragem definitiva.
O futebol é uma modalidade coletiva e isso implica logo à partida uma dificuldade maior, seja em termos financeiros, seja em termos de angariação dos próprios praticantes. Uma modalidade individual ou a pares pode ter muitos atletas, mas com dois, três ou quatro também funciona. Por sua vez, para se ter uma equipa de futebol de 7 tem que se ter pelo menos 11 ou 12 jogadores e é evidente que nem todos estão bem porque podem estar doentes, podem estar lesionados, podem não poder por outro motivo qualquer, porque tudo isto é feito de forma voluntária e uns estudam e outros trabalham e portanto que esse é um fator que limita a prática desportiva.
A questão financeira tem a ver, por um lado, com as dificuldades que nos últimos anos o país atravessa e que são transversais a todos nós. Ainda para mais um desporto para pessoas com deficiência em que alguns dos clubes são associações que têm pessoas com deficiência lá e não recebem verbas para o desporto. Recebem para a reabilitação, para a educação, para terapias e outras atividades, mas não recebem para o desporto. Além do mais, muitas das famílias são pessoas com dificuldades financeiras e as instituições têm vindo a ter mais dificuldades, cada vez mais maiores restrições financeiras porque as próprias dotações financeiras que recebem da tutela também vão sendo cada vez mais pequenas e mais limitativas da ação que eles podem desenvolver.
Por outro lado podemos ter numa cidade dois jogadores, noutra um, noutra quatro ou cinco. Há atletas que podiam ser potencialmente jogadores de futebol numa equipa mas que não são porque também não há um número de interessados suficiente nas localidades que têm associações ou clubes que possam estar interessados.
Depois temos a questão da escola – hoje em dia temos os alunos praticamente todos nas escolas, no ensino regular e as escolas não têm clubes, não estão próximas o suficiente das organizações para terem condições para ter um clube. A escola tem o desporto escolar que não participa nestas competições, nem as escolas têm um número suficiente de praticantes para fazer uma equipa de futebol. Por outro lado, eles próprios, neste caso, como a equipa de futebol é composta de pessoas com deficiência ligeira ou pouco acentuada, muitas vezes querem é que os outros não percebam as suas limitações ou as suas deficiências e tudo o que tenha a ver com as suas deficiências, eles excluem. Eles querem fazer parte de um grupo, que os consideram normais e, por isso, escondem-se e fogem um bocado quando algum de nós os aborda.
Depois temos ainda a questão da própria deficiência. Ao longo dos últimos anos as deficiências mais ligeiras onde se insere o grupo do futebol têm decrescido porque, normalmente eram de partos mal feitos e agora os partos agora melhoraram e esse tipo de deficiência ligeira aparece muito menos.
Finalmente, foi feito um trabalho junto dos clubes desportivos mas retirando aqueles que já começaram a investir à época – o Futebol Clube do Porto e o Boavista Futebol Clube – mais nenhum clube tem uma equipa de futebol.
Isto tudo também somados ao facto dos resultados a nível internacional não serem os melhores.