BISFed: porquê?
- Escrito por Paula Fernandes Teixeira
- Publicado em Desporto
BISFed: porquê?
Plural&Singular (P&S) – Porque é que a BISFed foi criada? Sentiram necessidade de dar mais força à modalidade de boccia? Na prática o que foi mudado?
David Hadfield (DH) – A estratégia do Comité Paralímpico Internacional é a de que todos os desportos sejam auto-suficientes, se consigam mobilizar e organizar sozinhos. Existia Associação Internacional de Desporto e Recreação para Paralisados Cerebrais (CPISRA) [cujo lema é “um mundo, onde pessoas que tenham paralisia cerebral ou uma condição neurológica relacionada, tenham a oportunidade de participar/praticar desportos e outras atividades, por sua escolha”]. Há três anos, em 2010, entendeu-se que já era altura do boccia ser um desporto independente. Então foi criada esta nova organização, a BISFed. E dedicamo-nos completamente ao boccia, enquanto a CPISRA tinha muitos desportos.
P&S – Quais são os principais objetivos da BISFed?
DH – O mais importante é promover mais oportunidades competitivas para todos os atletas do mundo que queiram desenvolver-se neste desporto. Até ali, existia uma grande competição por ano nos vários continentes: Europa, Ásia, América… Tratam-se competições continentais. Mas no próximo ano, a BISFed vai promover uma grande competição mundial. E queremos fazer muitos campeonatos mundiais…
P&S – O boccia mundial já sente falta disso… De um campeonato do mais alto nível, além dos Jogos Paralímpicos, porque é só no terreno, no campo que se faz um atleta evoluir e, neste caso particular, só na alta competição… É isso?
DH – Exatamente. É uma necessidade mais do que uma meta. É um objetivo porque existe lacuna. Claro que precisamos de ter países que acolham estas competições, como Portugal está a fazer neste Europeu Campeonato Europeu de Boccia [prova disputada em Guimarães, em junho – ver caixa]. Esse é o grande objetivo: criar mais competições e melhores condições, logo formar mais atletas e melhores atletas. Quem sabe Portugal será um candidato a organizar essa grande competição. E também existe a possibilidade de dividir a organização por dois países vizinhos, como acontece em outras modalidades, no futebol por exemplo.
P&S – Em Portugal é comum ouvirem-se lamentos por parte de desportistas de desporto adaptado sobre falta de igualdade entre estes e os desportistas “normais”. Na sua experiência, acha que esta realidade repete-se no mundo inteiro?
DH – Penso que no boccia é um erro ver sob esse ponto de vista. No boccia não acho que haja falta de igualdade de oportunidades. O boccia é praticado ao mais alto nível de competitividade. São os atletas com mais necessidades especiais, atletas com as deficiências intelectuais mais profundas, que praticam boccia. Então os melhores estão lá, na alta competição. A comparação não se coloca com o desporto ‘normal’ porque o boccia é ‘normal’ para estes jogadores e adaptou-se a quem não tem deficiência. Se quisermos: esta modalidade nasceu ao contrário da maioria.
P&S – Gostava que mais pessoas sem deficiência praticassem boccia? Acha que seria benéfico para a modalidade, porquê?
DH – Sim, ainda que não com tanta frequência como desejado, o boccia também é praticado nas escolas, e também por pessoas idosas, entre outros casos. Esta prática é muito comum, pelo menos, na Inglaterra, onde eu vivo. É muito importante que a atração pelo jogo seja despertada e fomentada. O boccia de todos os desportos paralímpicos é o único que tem esta característica tão própria. Penso que o boccia é completamente diferente dos restantes desportos, mesmo diferente dentro do universo do desporto paralímpico… Há uma beleza nisto.
P&S – Beleza…
DH – O boccia está desenhado para ser praticado por pessoas com deficiência. O boccia foi adaptado para poder ser praticado por crianças sem deficiência e não o contrário. Não é um desporto comum que se adaptou a paralímpico. O rapaz mais forte do recreio pode ser batido pela menina mais pequena só porque ela foi mais inteligente. Portanto, há igualdade e ainda por cima igualdade de género… São as caraterísticas mentais que mandam.
P&S – Conhece os atletas da Seleção portuguesa?
DH – Os portugueses estão a praticar há muito tempo. Conheço alguns melhor que outros. Já os vi praticar a todos. Há uma nova promessa que surgiu há uns dois anos atrás, o Abílio Valente: é um excelente jogador. É muito importante que surjam novos atletas…
P&S – Sim, realmente essa é uma das grandes preocupações nacionais nesta modalidade: o envelhecimento dos atuais atletas de um país que já foi uma grande potência neste desporto… A nível internacional, como é visto Portugal?
DH – Portugal está completamente ligado ao desenvolvimento e evolução deste desporto. Hoje podem existir outras potências e novos magníficos jogadores, mas a tradição é portuguesa, inglesa, entre outros. Portugal tem também a responsabilidade de liderar a equipa de boccia mundial. Ajudar os países que se estreiam. Há uma responsabilidade quase moral de país experiente e formador. Portugal tem um papel importantíssimo mesmo na BISFed. O nosso vice-presidente é português: Joaquim Viegas. E temos representação forte em vários comités por portugueses, pela sua experiência.
P&S – E este campeonato como está a correr?
DH – Até agora [entrevista feita a três dias de terminar o campeonato] tudo correu bem. As instalações [pavilhão multiusos de Guimarães] são fantásticas. Não se encontram pavilhões com capacidade para doze campos de boccia para prática em simultâneo em muitos países. E Portugal e Guimarães, têm. Eu olho sempre para a competição pela perspetiva do atleta. E existem três/quatro pormenores que têm de funcionar. O ambiente da competição tem de ser bom. Aqui está a ser bom. A segunda coisa é a comida tem de ser boa. E a comida é boa. A terceira é o alojamento: é bom, também. Se não fosse bom, ouviria queixas. É bom porque ainda não ouvi nada. E, no boccia, o quarto aspeto fundamental é um bom transporte. Aqui foram-nos disponibilizados fantásticos autocarros. Ainda que a acomodação fique a alguns quilómetros de distância, e não se possa andar ou chegar em cadeira de rodas, o transporte está preparado. Estou muito satisfeito com a organização. LER REPORTAGEM COMPLETA A PARTIR DA PÁGINA 80 DA 4.ª EDIÇÃO DA PLURAL&SINGULAR