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updated 6:28 PM UTC, Nov 11, 2024
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O que fazer quando preconceito começa no seio da família?

Sou uma pessoa com paraplegia, embora com a minha sensibilidade preservada e algum movimento na perna esquerda. Tenho uma vida ativa perfeitamente normal e já tive relacionamento depois do meu acidente.

Sinto que, em relação aos meus pais, desde que tive o acidente, embora sejam muito presentes na minha vida e me ajudem em muita coisa que necessito, que não aceitam a minha vida afetiva. Tornaram-se pais obsessivos e demasiadamente controladores em relação a mim.

 

Sou uma pessoa com paraplegia, embora com a minha sensibilidade preservada e algum movimento na perna esquerda. Tenho uma vida ativa perfeitamente normal e já tive relacionamento depois do meu acidente.

Sinto que, em relação aos meus pais, desde que tive o acidente, embora sejam muito presentes na minha vida e me ajudem em muita coisa que necessito, que não aceitam a minha vida afetiva. Tornaram-se pais obsessivos e demasiadamente controladores em relação a mim.

Ou seja, eu tenho tudo para ter uma vida completa em termos afetivos e poder ter um relacionamento normal. Tenho a sensibilidade preservada a nível sexual e sentimentalmente, tenho perfeita noção que posso ter uma vida normal.

Mas aqui quero focar o papel da família em relação há vida afetiva das pessoas com mobilidade reduzida.

Quando falamos em preconceito em relação há sexualidade de pessoas com alguma limitação física, por vezes este começa no seio da família. Não aceitam que a pessoa tenha sentimentos, que possa afetiva e sexualmente ter um parceiro e tendem a infantilizar no sentido de acharem que somos seres assexuados e sem desejo algum sexual.

E aqui eu pergunto: Como lidar com este preconceito doentio de pais que tiveram filhos e que mesmo com algum tipo de limitação continuam a ser seres humanos?

O facto de os nossos próprios pais terem esta atitude mesquinha de egoísmo e obsessão, faz com que nos crie uma revolta interior. O preconceito tem muitas caras. Se a nossa própria família não tem a capacidade mental e a sensibilidade de perceber que estão errados e continuam constantemente a invadir o nosso espaço, a nossa privacidade, a achar que são nossos donos e que podem tomar decisões da nossa própria vida? O que fazer nestes casos?

Todo o ser humano tem direito a afeto e a liberdade de poder escolher a sua própria vida em consciência. Não é um acidente que muda a genética do ser humano e este deixa de ter sentimentos. Acho esta questão de um valor primordial, porque assistimos constantemente a este absurdo de falta de meios para trabalhar as famílias aquando de um acidente.

Passei por um hospital de reabilitação e percebi que a única coisa que é abordada constantemente é a reabilitação física. Mas o mais importante é mesmo a reabilitação emocional e isso deveria começar essencialmente pelas próprias famílias e fazer perceber aos pais que os filhos não se tornaram bebés, apenas terão que se adaptar à nova condição física.

E que a vida apesar de difícil, pode ser retomada em todas as áreas. Física, emocional e social.

Raramente vejo este tema abordado por profissionais de saúde, porque não está tido em conta este facto tão importante. Emocionalmente somos todos seres humanos, com sentimentos, vontades e desejos como outra pessoa qualquer.

Gostava de ver este tema amplamente explorado por Sexólogos, por Fisiatras, Fisioterapeutas e Médicos de Clinica Geral. Todos estes temas são de uma importância extrema e urge debatê-los em hospitais, palestras e no seio das próprias famílias com lesões medulares e qualquer outro tipo de deficiência. Sou uma pessoa altamente interessada por estas temáticas, porque me dizem muito pessoalmente e porque passo todos os dias por este tipo de tabú e preconceito abusivo no seio das famílias e na sociedade em geral. Deve haver com urgência mais interação entre a área da reabilitação física, médica e psicologia e sexologia. É UMA QUESTÃO TÃO FUNDAMENTAL, QUE ME ATREVO A DIZER QUE MUDARIA EM COMPLETO O PAPEL DA SOCIEDADE EM RELAÇÃO ÀS PESSOAS COM MOBILIDADE REDUZIDA. Não somos bebés, não somos assexuados e temos todos sentimentos e capacidade a ter uma vida afetiva como qualquer ser humano.

 

Resposta: Todos nós socializamos no mesmo "caldo" sociocultural, que é, demasiado frequentemente, opressor da sexualidade das pessoas com limitações físicas e motoras. Se a sociedade em geral dá mostras de atitudes e comportamentos que "desafetizam e dessexualizam" estas pessoas, já os familiares, tendo em conta a relação de proximidade, e concebendo a sexualidade com algo "perigoso" (e muitas vezes até a mera expressão de afetos,.. que antecipam poder levar a "outros caminhos"), desenvolvem uma espécie de "dever de proteção", que me parece enquadrar-se naquilo que descreve no seu e-mail.

Num pressuposto de compreensão, até podemos fazer um esforço para perceber as suas intenções, mas, num esforço ainda maior, será necessário desconstruir essa postura dos familiares, demonstrando-lhes que o período da infância já ficou lá atrás, que a autonomia é essencial, assim com a liberdade para escolher aquilo que pretendemos enquanto projecto de vida, incluindo na esfera afetiva e sexual.

Concordo consigo, que durante demasiado tempo a ideia de reabilitação se reduzia a potencializar as capacidades funcionais. O "grosso" da readaptação psicológica advinha principalmente do contacto com pares com quadros clínicos semelhantes, e a reabilitação sexual nem sequer fazia parte da agenda. Embora de forma lenta, têm-se verificado mudanças que vão no sentido de conceber a readaptação pós lesão numa perspetiva global.

 

Com os melhores cumprimentos

Jorge Cardoso